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Revista Aldeias - abril/2022

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O processo de reflexão contínua sobre a nossa missão e tarefa primária  com os nossos consultores continua a ser chave para o salutar crescimento da nossa Associação. Entrevistámos o nosso consultor para os Programas de Cuidados Alternativos, especificamente das Aldeias SOS, Rui Lopes. Psicólogo, possui vasta experiência na liderança e supervisão de Casas de Acolhimento Residencial. Desde o início de 2020 que é consultor permanente da Associação, intervindo diretamente com os diretores das Aldeias SOS. 

O que torna o trabalho nas Aldeias SOS (Acolhimento Residencial – AR) tão complexo e especial?

A complexidade do trabalho no AR está associada a uma multiplicidade de fatores. Fatores de dimensão alargada (legais e sistémicos) e de dimensão estrita. Estes últimos são de ordem organizacional, contextual e individual, isto é, relacionados com as próprias casas de acolhimento, equipas, crianças e jovens acolhidos, e suas famílias.

Em todo o mundo o perfil das crianças e jovens acolhidos tem vindo a complexificar-se bastante ao longo dos anos. São crianças e jovens com experiências marcadas pela adversidade e trauma, com consequências em termos do seu ajustamento emocional e comportamental, muitas vezes com particulares necessidades de acompanhamento educativo e de saúde (física e mental).

A maior parte dos novos acolhimentos são de jovens adolescentes. Jovens com necessidades individuais muito específicas, estranhos entre si, que se vêm confrontados com a necessidade de viver no mesmo espaço físico, tendo que o partilhar. A vivência em grupo pode constranger a capacidade para responder às necessidades individuais de cada um. Sabemos que onde há grupos há conflitos entre os indivíduos. A gestão do grupo é, portanto, um desafio no AR.
Uma casa de acolhimento não é apenas composta por crianças e jovens, mas também pelos adultos que nela trabalham. A quantidade significativa de profissionais, necessária em serviços de laboração contínua, traz outra das complexidades. A gestão dos profissionais e da relação e comunicação entre si, a liderança das equipas, a promoção do alinhamento da intervenção, são processos muito exigentes.

O que torna o trabalho especial é o facto de ser feito em constante relação com o outro, seja com as crianças, jovens e famílias, seja com os colegas de equipa. Além do mais, tendo em conta que é de facto um trabalho complexo, exigente e desafiante, quando se obtém sucesso, isso traz uma enorme gratificação.

Poderíamos dizer que alguns valores são imprescindíveis para um modelo de intervenção terapêutica em AR?

Penso que valores como o respeito e a transparência são imprescindíveis. São também importantes os valores da empatia, aceitação e tolerância. No fundo, valores associados a uma solidariedade responsável e reconhecedora das crianças, jovens e famílias em situação de vulnerabilidade como plenos de direitos e junto de quem é necessário intervir no sentido da proteção e da promoção desses direitos e salvaguarda da sua dignidade. Não basta prestar assistência. É necessário estabelecer verdadeiras relações e ligações com as pessoas, prestando-lhes um apoio técnico especializado e especificamente dirigido às suas necessidades individuais.

Considero que são também necessários valores associados à colaboração e cooperação. A ação educativa e terapêutica só pode ser bem-sucedida se for realizada em conjunto. Isto requer valorização do trabalho em equipa e também consciência relativamente à necessidade de envolver as crianças, jovens e famílias nos seus processos, colocando-as em lugar de participação e autonomia.
 

Num trabalho onde “a relação” é o principal instrumento de trabalho, como distinguir entre as dimensões pessoal e profissional?

Não é fácil. João dos Santos dizia que antes de conseguirmos ver a criança, é necessário deixar que ela nos veja primeiro. António Sampaio da Nóvoa refere que o educador é a pessoa, e boa parte da pessoa é o educador. É realmente difícil distinguir “pessoalidade” e “profissionalidade” no AR, pois os profissionais têm o dever de prestar cuidados integrais às crianças e jovens por quem são responsáveis e, inclusivamente, de quem são representantes legais.

Esta exigência requer qualidades pessoais e profissionais, bem como qualificações técnicas. É necessário acompanhar continuamente as equipas, apoiando-as e estimulando-as para que consigam manter os padrões de rigor e qualidade necessários e exigíveis.

Quais as principais mais-valias do Modelo de Intervenção das Aldeias de Crianças SOS?

Penso que uma das mais-valias é precisamente o investimento que tem sido feito na identificação de profissionais capazes e competentes, assim como no suporte à manutenção da qualidade da intervenção. A Direção Nacional de Programas é muito qualificada, assim como as lideranças em cada um dos Programas. O processo de construção do Modelo tem sido realizado com muito cuidado e envolvendo pessoas-chave. Todos os profissionais têm acesso a momentos de formação, supervisão e consultoria. Isso é de um enorme valor.

Para além disso, a Associação tem características ímpares: a sua natureza efetivamente cívica, enraizada na sociedade civil e não noutras instituições governamentais ou dogmáticas; a experiência acumulada ao longo de mais de 70 anos de história; a integração numa federação mundial; entre outras; são mais-valias inequívocas para se afirmar, mais ainda, como referência no nosso país.

 

Na foto, da esquerda para a direita: Daniel Lucas, Raquel Abrantes, Cristina Cabeleira, Guida Mendes Bernardo, Rui Lopes e Diogo Silva.

As Aldeias de Crianças SOS são a maior organização do mundo a apoiar crianças e jovens em perigo ou em risco de perder o cuidado parental.
 

Acredite num mundo onde todas as crianças crescem em amor e segurança. 

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