#Histórias de Sucesso

História da Maria*

Todas as histórias são sobre as relações e as pessoas...
E esta história poderia ser a minha e também a sua!

Propomos partir da história da Maria (nome fictício) para refletirmos em conjunto com quem nos lê sobre o Acolhimento Residencial (Programa de Cuidados Alternativos), sobre a Reunificação Familiar (Programa de Fortalecimento Familiar) e sobre o papel dos Centros de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) neste projeto de vida. 

Maria cresceu com os pais até aos 10 anos. O pai era agressivo com a mãe e foi a razão para a separação. Maria só voltou a ver o pai aos 20 anos. A mãe foi a única cuidadora da filha, tinha dois trabalhos e não tinha muito tempo para carinhos. A família materna dava algum apoio ao fim-de-semana. 

Maria frequentava a escola e desde muito cedo ia e voltava com as amigas. Em casa fazia os TPC (trabalhos para casa) e estudava, mas não tinha alguém que a ajudasse e incentivasse. Preferia ver televisão (não tinha telemóvel). Aquecia o jantar e tomava banho sozinha. Enquanto isso, a vizinha do lado dava “um olhinho”. Quando a mãe chegava a casa, perto da meia-noite, Maria ainda estava acordada e via a mãe a tratar da casa, das roupas e das refeições para o dia seguinte. Não havia muito tempo para falar das suas coisas. Passava o fim-de-semana com a avó porque a mãe trabalhava.  

Maria cresceu e tornou-se numa adolescente. Com 14 anos já parecia ter 18 ou 20! Vestia-se e agia como tal. Não regressava a casa após as aulas, pois gostava de ficar com amigos (mais velhos) nos cafés da cidade. Começou a não ter interesse pela escola e faltava.

Começou a sair à noite aos fins-de-semana, aproveitando quando a avó adormecia. Frequentava os espaços noturnos mais badalados. Maria foi aliciada para uma vida que não era adequada para a sua idade.  ​

Foi acionada a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e depois o Tribunal. Em situação de urgência foi integrada numa Casa de Acolhimento Residencial (CAR). Maria teve alguma dificuldade em integrar-se na CAR, sobretudo porque em casa não estava habituada a ter adultos a “controlar” os seus horários e a definirem regras e limites para o que podia (ou não podia) fazer. Além disso, para Maria, as outras “miúdas” ainda eram muito “criancinhas”. 

Mesmo a viver separadas, durante o tempo em que Maria esteve na CAR a mãe procurou estar mais presente na vida da filha. Para além dos telefonemas diários, todos os domingos a mãe fazia duas horas de viagem para poder estar com Maria. As consultas e as reuniões com a escola eram partilhadas com a mãe, que sempre se mostrou disponível e envolvida. Esta presença na vida de Maria permitiu que os planos para a a vida da família ganhassem mais espaço e que, em conjunto, conseguissem definir o que gostavam que acontecesse no futuro.  

 

 

 

 

 

Passado algum tempo, Maria foi conseguindo reconhecer que não podia continuar a pôr em causa a sua vida. Foi aí que a viragem aconteceu! Começou a investir em si e a acreditar que podia ter sonhos para si e para a sua vida. Começou a definir planos relacionados com os estudos e a pensar em integrar o ensino superior. 

Para estes percursos de mudança foi imprescindível o trabalho desenvolvido pela CAR e pelo Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP), que definiram um plano de intervenção conjunto e com foco na colaboração entre-entidades. As equipas estavam alinhadas na produção de mudanças, não só na jovem, mas na família como um todo, focando-se na dinâmica, nas relações e na estrutura do sistema familiar. Apostou-se na promoção de competências parentais e na convivência familiar, bem como na melhoria das interações positivas entre mãe e filha e na participação ativa da mãe na vida de Maria. 

Dois anos depois Maria regressou a casa da mãe e completou o seu curso superior. A colaboração e trabalho conjunto da CAR e do CAFAP foi determinante para a Reunificação Familiar. 

Com a história da Maria gostávamos de deixar um convite à reflexão.  

Neste caso, a medida de acolhimento residencial foi aquela que se considerou mais adequada para proteger a sua segurança e desenvolvimento, numa fase em que a família não estava a conseguir encontrar formas de cuidar e educar que acautelassem o seu bem-estar. Por um lado, gostávamos de deixar uma nota sobre a importância de desmistificar alguns comentários, tais como “não faltava nada em casa e mesmo assim eles tiram as crianças aos pais (…)” ou “(…) se não te portares bem, vais para uma instituição”. O acolhimento não serve, nem o objetivo de subtração das crianças aos pais, nem o de se constituir castigo para pais e filhos. Serve, acima de tudo, a proteção e o cuidado de crianças e jovens quando os adultos responsáveis por eles não estão a conseguir assegurar as suas principais necessidades.

E é aqui que convidamos quem nos lê a olhar para este “não estar a conseguir” como algo que é mutável, que com ajuda profissional poderá chegar até ao “agora já consegue” ou “agora está a ser possível”.  

No caso da Maria, embora não intencionalmente, foram sendo negligenciadas as suas necessidades psicológicas – a interação e afeto da mãe, a estimulação, atenção a problemas emocionais (por exemplo as decorrentes da ausência do pai) –, assim como as suas necessidades de segurança – supervisão, segurança física e prevenção de comportamentos de risco. Consequentemente, Maria acabou por crescer sozinha e por assumir demasiado cedo o rumo da sua vida, pelo que foi necessário protegê-la e garantir a sua segurança até que a mãe estivesse capaz de salvaguardar estas necessidades.  

Acrescentar, ainda, o papel do CAFAP no momento de crise e de stress que a família vivenciou aquando do efetivo acolhimento residencial. Podíamos ficar-nos pela crítica, pelo julgamento ou pela culpabilização da mãe da Maria. No entanto, preferimos colocar-nos numa postura de suporte profissional e de compreensão pela sua história e vida familiar. Só desta forma conseguimos, enquanto comunidade e enquanto profissionais, caminhar lado-a-lado e permitir que as famílias se reinventem e encontrem novas (e mais adequadas) formas de cuidar das suas crianças e jovens.  

E porque, tal como o título diz, “esta história poderia ser a minha”... convidamos toda a gente a acreditar, a respeitar e a cuidar... não só das crianças, mas também de todos os adultos e famílias que convosco se cruzam! 

As Aldeias de Crianças SOS são a maior organização do mundo a apoiar crianças e jovens em perigo ou em risco de perder o cuidado parental.
 

Acredite num mundo onde todas as crianças crescem em amor e segurança. 

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