Migual Mata Pereira

// Fala sobre Educação

Conversa com especialista

Miguel Mata Pereira

Breve nota curricular: 

Psicólogo especialista em Psicologia Educacional. Doutorado em Ciências da Educação e Formação.

Tem dedicado a sua experiência profissional à academia, na área da educação, e ao trabalho com pessoas com dificuldades intelectuais e desenvolvimentais e crianças com dificuldades emocionais e comportamentais e suas famílias.

Quando pensa no conceito "educação" quais as ideias e ideais que lhe surgem associados e o que significa para si?

O meu pensamento sobre educação está eivado de idiossincrasias*. Pensar a educação é um compromisso que exige simultaneamente a rememoração, a reflexão e a prospeção. No dizer de João dos Santos: «A educação não é matéria que se ensine mas uma atitude que reflete o confronto das vivências do educando que fomos, com as do educador que pretendemos ser!».

Esta ausência de distância crítica, impossibilidade ou dificuldade, conduz invariavelmente a juízos subjetivos sobre a educação: como educar, o que fazer, o que funciona. Importa, portanto, que o senso comum implícito a qualquer discussão sobre educação seja coadjuvado* pela ciência da educação. É insensato esperar que o conhecimento científico possa anular por completo ou fazer esquecer aquela que foi a experiência educativa individual. Mas isso não significa que não façamos o trabalho de construção do conhecimento; que não procuremos saber mais sobre educação; que não reconheçamos que há muito trabalho cientificamente validado que deveria ser discutido, para conjuntamente repensarmos a educação. Na era dos dados e meta-dados, com todo o conhecimento acumulado – mas tantas vezes meramente arquivado ou circunscrito e em circulação apenas em determinados contextos – temos o efeito paradoxal da incerteza, da insegurança, da confusão sobre os temas abrangidos pela educação. Ficamos presos entre a nostalgia do passado e a potencialidade de um futuro cada vez mais tecnológico. E com isso, tantas vezes, esquecemos o presente e o essencial da educação.

A educação é a arte do encontro.

E novamente com João dos Santos:

«quem educa são as pessoas verdadeiras e não as personagens ideais (…) a ação educativa deve basear-se na relação espontânea, afetiva e instintiva».

Neste encontro, a atitude, a predisposição, a vontade de querer estar presente deverão ser incondicionais. As condições do encontro, do qual florescerá uma relação, são co-criadas, negociadas, discutidas, partilhadas; não têm de ser um pré-requisito.  A ideia do limite em educação é uma ideia titubeante*. Como nos ensinou António Coimbra de Matos, «é a realidade que nos impõe os seus limites». Assim, pode ser mais interessante colocarmo-nos na posição empática e, de preferência, ir para além dela, a caminho da verdadeira intersubjetividade.

A relação educativa é, em primeiro lugar, uma relação. Que tem de ser cuidada, estimada, investida. Envolve o sentimento de segurança na presença do outro, a confirmação da criação de uma zona de conforto, de afetividade, de pertença. Envolve a disponibilidade para o encontro, a autenticidade, a implicação: eu sou, porque nós somos.

A escola é um elemento na proteção e promoção dos direitos das crianças e jovens? 

Creio que sim. O século XXI tem sido particularmente complexo para a escola. Como nos advertiu António Sampaio da Nóvoa, são muitas as missões da escola do nosso século. Esperamos que a escola ensine, prepare para a vida, eduque, cuide. Os profissionais que trabalham na escola fazem o seu melhor para corresponder a estas expectativas. A pressão societal para que a escola cumpra todos estes desideratos é imensa, muitas vezes insuportável, acarretando uma oscilação dos papéis tradicionalmente distribuídos entre escola, família e comunidade.

Podemos pensar na escola como um lugar onde o estatuto da criança é facilmente suplantando pelo estatuto do aluno. Esta dicotomia criança/aluno dificulta o entendimento que podemos ter sobre o fundamento da relação pedagógica e da ação educativa na escola. Como nos ensinou Sérgio Niza, a escola pode ser pensada como uma «comunidade de aprendentes» – crianças e adultos, alunos e professores – que coletivamente, em cooperação e de forma democrática, investem as aprendizagens curriculares, injetando-lhes significação. As pontes entre vivências das crianças e os saberes dos alunos têm de ser construídas.

Podemos também perspetivar a escola a partir do racional do risco, da proteção e promoção das crianças e jovens. Os modelos teóricos sobre risco e acumulação de risco ensinam-nos que é fundamental contrariar o desequilíbrio frequentemente presente entre fatores de risco e fatores de proteção. A escola constitui-se inúmeras vezes como um fator de proteção para as crianças e jovens. Um lugar que possibilita atenuar condições de risco psicossocial e, em casos mais extremos, até de suprir necessidades básicas.

A escola, as turmas, os professores e demais profissionais e atores contextuais, potenciam e consubstanciam a previsibilidade, as rotinas, a construção de relações que podem promover segurança, o afeto, a identificação e o bem-estar. Esse quotidiano antecipável, expectável, pode funcionar como elemento protetor. Em suma, a escola pode constituir-se como uma zona de conforto, promotora do desenvolvimento e das aprendizagens curriculares, na esperança de que o risco em que possam incorrer as crianças e jovens possa ser prevenido ou pelo menos precocemente sinalizado e atendido.

Quando pensamos em educação, tendemos a pensar na educação formal, num percurso académico. E a educação não formal, não terá também um papel importante no desenvolvimento infantil e na promoção dos direitos?

A educação formal é, de facto, um percurso. Isto é, um caminho pré-formatado, um currículo, que certifica, distingue, seleciona, aqueles que são capazes de o percorrer. Tem, obviamente, o seu sentido e a sua importância e, em muitos casos, significa a possibilidade de aceder a uma vida melhor.

No entanto, sabemos todos – sobretudo a partir das nossas experiências educacionais – como as matérias e os assuntos mais importantes para a vida de uma criança ou de um jovem não são necessariamente as que tratam os livros escolares. São aquelas que aprendemos uns com os outros – o grupo de pares como esfera socializadora. O confronto com as ideias dos outros, com as suas mundivisões, a construção e consolidação da identidade, a identificação e a oposição.

A educação não formal constitui-se como uma modalidade onde estas e outras aprendizagens são desamarradas do currículo escolar.

Habitualmente, os lugares/espaços/tempos consignados para a educação não formal são mais livres, despretensiosos, mais próximos muitas vezes da “vontade de saber”, no dizer de Michel Foucault. As afinidades que são criadas nesses lugares de encontro da educação não formal alicerçam frequentemente a transposição dessa socialização com os pares para uma educação informal, na qual aquilo que parece primordial é o prazer de existir e de nos relacionarmos.

A promoção do desenvolvimento infantil e dos direitos das crianças e dos jovens envolve, necessariamente, as modalidades educativas não formais e informais.

A identidade, a autoestima, o autoconceito, o potencial de cada um, pode desabrochar e vingar fora da esfera da educação formal. Para muitos, são as atividades desenvolvidas na educação não formal e informal aquelas que são mais significativas, mais importantes e mais próximas das vocações e interesses individuais.

Para terminar, tem alguma música, poema/texto ou imagem para ilustrar o tema?

Gostava de terminar recordando uma ideia seminal de Donald Woods Winnicott: pais suficientemente bons.

Imagino como seria a sua transposição para a escola: uma escola suficientemente boa – um lugar de segurança e afeto para todos os seus atores, que estimula a curiosidade, a descoberta de si e dos outros, as relações autênticas e a vontade de aprender. Em suma, um lugar de e para a Educação de todos.

Idiossincrasia - Predisposição particular de um organismo para reagir de maneira individual a um estímulo ou agente externo.

Coadjuvar

- Prestar ajuda a outrem. = AUXILIAR

Titubeante

Que titubeia. = HESITANTE, VACILANTE

Oiça as reflexões de Miguel Mata Pereira no nosso Podcast

Episódio 1

Educação com Miguel Mata Pereira

As Aldeias de Crianças SOS são a maior organização do mundo a apoiar crianças e jovens em perigo ou em risco de perder o cuidado parental.
 

Acredite num mundo onde todas as crianças crescem em amor e segurança. 

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