Susana Pereira

// Fala sobre Empoderamento

Conversa com especialista

Susana Pereira

Psicóloga Clínica no Lar Jorbalán (Comunidade de Inserção para mulheres em situação de vulnerabilidade social).

Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e em Psicologia Comunitária, com uma vasta experiência em intervenção individual e em grupo, nomeadamente com mulheres em contexto de acolhimento e inserção.

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Empoderamento

A humanidade carrega uma história de injustiças sociais. Injustiças de classe, raciais, de género, entreoutras. Uma maioria que oprime, agride e marginaliza o que é considerado minoria. Com a tomada deconsciência da dita minoria, o lugar de submissão foi e vai dando lugar a movimentos sociais e civis pelosdireitos humanos. À tomada de consciência e ação dá-se o nome de Empoderamento.

Ainda que, muitas vezes, associado a uma perspetiva de autoajuda e ao campo da motivação, oempoderamento está longe de ser um ato individual de desenvolvimento pessoal.

O Empoderamento é um ato político e coletivo, cujo movimento surge na luta dos movimentos raciais e civis. Uma luta em contexto de opressão, exclusão e discriminação. A ferramenta que dá voz eautonomia a pessoas e comunidades com vivências de repressão social, como a comunidade negra ecigana, as mulheres e a comunidade LGBTQI+.

O empoderamento define-se como a balança que pretende equilibrar as injustiças e desigualdades. É a voz daqueles e daquelas que se encontram subservientes a sistemas opressores. Dos(as) silenciados(as), desrespeitados(as), violentados(as) e violado(as), dos(as) oprimidos(as).

Como dar voz a pessoas e comunidades com historial de opressão, marginalização e discriminação? Como empoderar um homem homossexual numa sociedade “anti-gay”, em que a homossexualidade é definida como um comportamento desviante? Como empoderar uma mulher numa sociedade patriarcal? Como empoderar uma mulher em situação de vulnerabilidade social?

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// Do acolhimento ao empoderamento

"As mulheres devem sempre se lembrar de quem são e do que são capazes”, Virginia Woolf

Em 2021, foram acolhidas no Lar Jorbalán mulheres com uma média de idade de 28 anos. Maioritariamente mães, de nacionalidade não portuguesa (86%), em situação de desemprego, com escolaridade a nível do 9º ano, com religião não católica. Todas em situação de vulnerabilidade social. Com a complexidade e globalidade inerente a uma situação de vulnerabilidade social e do percurso que leva alguém a tal lugar.

Mulheres excluídas, desvalorizadas, maltratadas, abandonadas, vítimas de multi violências, vítimas deviolação dos direitos humanos, em rutura social, em rutura familiar, em situação de desemprego, comcarências nos cuidados de saúde, racializadas. Com consequente baixa autoestima, fragilizadas, combaixa autovalorização, deprimidas e, em alguns casos, doentes. Histórias e contextos de vida próximos, mas muito distantes na especificidade.

Cada uma transporta uma vida única, um lugar único, uma história única, um projeto único. A este mundo, único, pertencem diferentes esferas que não podem ser separadas e isoladas. É importante entender como a raça, a classe, o género, a nacionalidade, localização geográfica e todas as dimensões individuais e de contexto podem contribuir para a vulnerabilidade de determinada população e mulher (interseccionalidade).

Cada uma destas esferas representa uma luta. Interligadas representam uma única luta num registo individual e coletivo. Registo individual enquanto a mulher, em registo coletivo enquanto mulher. 

Por um lado, abordamos o empoderamento como um movimento e uma luta de autonomia. Por outro, intervimos em contexto de acolhimento institucional, um acolhimento que, por si, pode pressupor a perda dessa autonomia. Então, como empoderar uma mulher em situação de acolhimento institucional?

Intervir para empoderar é um questionamento constante sobre qual deve ser o lugar e papel da instituição nos projetos de vida das mulheres em acolhimento. Não cabe à instituição decidir qual será o seu percurso profissional e/ou educativo, relacional e social. Compete respeitar o mundo de cada uma, as suas origens, o que traz consigo e onde quer chegar. Acompanhar e cuidar; escutar; proporcionar espaços de conhecimento e informação; proporcionar lugares seguros para a partilha e questionamento; proporcionar lugares de fala; respeitar ritmos e tempos; possibilitar opções; respeitar as diferenças físicas, culturais, raciais e sociais; valorizar; reconhecer a representatividade individual; partilhar ferramentas e experiências. 

Empoderar é dar espaço e tempo para cada mulher encontrar a sua voz. Para acreditar.

Como seres sociais, interiorizamos ideias e aceitamos como as normativas. Em contexto familiar, escolar, social, comunitário. Empoderar é desconstruir essas normas e permitir quebrar as regras definidas como normativas. Desconstrução interna em luta contra um sistema normativo, muitas vezes opressor.

Uma mulher empoderada é uma mulher em processo de desconstrução interna e numa luta coletiva. É uma feminista, mesmo que não o saiba (Chimamanda Adichie).

É uma mulher que tem a liberdade de decidir e controlar o seu destino, que conhece os seus direitos e os coloca em prática, mas no caminho não descora nem descuida outras mulheres cujos direitos não são respeitados, ou percursos são diferentes (sororidade).

É uma mulher que se sente e sabe capaz de mudar a sua condição de vida e assumir um papel ativo na possibilidade de mudança da vida de outros(as).

Uma mulher empoderada é uma (des)construção permanente e o empoderamento é uma luta num movimento sem fim. Um movimento em que as lutas geram novas ideias, novas questões e novos terrenos de intervenção. As lutas individuais e coletivas são um processo em constante transformação.

Cabe-nos a todos e todas estarmos atentos e atentas às opressões, discriminações e exclusões atuais. Cabe-nos a balança da igualdade, equidade e justiça social.

Numa ação individual e coletiva.

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