Uma história de superação e amor

Como e quando começou a sua relação com a Aldeia SOS de Bicesse? O que faz atualmente nas Aldeias de Crianças SOS/ ou fora?


A minha relação com a Aldeia de Crianças SOS de Bicesse iniciou-se há precisamente 50 anos. Tinha 6 anos (quase 7) quando a minha mãe faleceu. Eramos um grupo de sete irmãos e era impossível ao meu pai trabalhar e olhar por todos nós. Fomos colocados numa instituição – rapazes para um lado, meninas para outro, como era normal nos colégios na época. Eu era uma criança inconformada que chorava dia e noite porque queria ver os meus irmãos. Não conseguia perceber bem o que era a morte, para mim era ausência - e para mim tinha sido separada da mãe e dos irmãos.

O padre diretor até abriu uma exceção e levaram os manos numa carrinha fechada, para que eu pudesse ver que estavam bem. Mas continuei no mesmo estado de infelicidade. Alguém falou ao meu pai na Aldeia de Crianças SOS – onde nos poderia ter todos juntos, pois foi a primeira instituição mista, no país. Foi assim que fomos dos primeiros habitantes de Bicesse, ocupando a segunda casa desta Aldeia. Na primeira já residiam as meninas que tinham vindo do lar do Algueirão – embrião das Aldeias de Crianças SOS em Portugal.

Vivi na Aldeia de Bicesse até atingir a maioridade. Mantive sempre uma relação de proximidade com aquela que foi o meu lar de infância. Tornei-me sócia subscritora e tendo a noção exata da importância dos padrinhos na vida das crianças, acompanhei de perto três crianças que apadrinhei e que tiveram sempre lugar na minha casa como membros da família.

Atualmente mantenho laços com uma dessas crianças, que mudou de instituição, mas que continuo a acompanhar. Sou sócia efetiva e fiz parte, como voluntária, durante seis anos, dos órgãos sociais da Associação. Nos primeiros três anos na mesa de Assembleia Geral, nos três seguintes no Conselho Diretivo. Faço ainda parte do grupo de voluntários, dando algum apoio na área do património.

 

Que memórias especiais guarda das crianças que lá cresceram?

 

Guardo todas as memórias que se guardam da infância. Cresci lá e tal como todos os outros que cresceram comigo, guardo memórias dos bons e maus momentos que passamos juntos.

A infância vai connosco pela vida fora – somos muito do que nos ensinaram a ser. Acredito que a infância nos molda para a vida inteira.

Como primeiros utentes, fomos como que a estrutura, para o que é hoje a Associação, que cresceu e se moldou aos novos tempos e às novas realidades sociais. Hoje as crianças da Associação têm uma vida mais fácil que a nossa e estão mais bem inseridos e estruturados socialmente. Nós tivemos que ser “Hércules” para nos encaixarmos no mundo…

À associação devo quem sou. Da infância com as outras crianças, tenho memórias de muitos e bons momentos de cumplicidade e amizades que ficaram para a vida.

 

E para si, qual o momento mais marcante nos anos em que esteve ligado a esta Aldeia SOS de Bicesse?


Sem dúvida alguma o momento em que entrei para a Aldeia com os meus irmãos. O podermos estar todos juntos – devolveu-me parte da tranquilidade.

 

O que deseja para esta Aldeia SOS nos próximos anos?


Desejo que continue a ser Lar para muitas crianças. Que muitos mais possam ter a oportunidade de crescer em segurança, com colo e sobretudo, que não haja crianças com menos oportunidades que as que vivem em ambiente familiar normal. Desejo que continue a haver mães dispostas a amar incondicionalmente e que a Aldeia continue a ter pessoas que, acima de tudo, amam e respeitam as crianças.

O meu agradecimento a todos quantos fazem parte da grande família das Aldeias de Crianças SOS e que às Aldeias estão ligados – quer pelo seu trabalho, quer pela amizade.

Um grande bem-haja.