Sandra Freitas

// Fala sobre Acolhimento Familiar

Conversa com especialista

Sandra Freitas

Breve nota curricular: 

Licenciada em Psicologia, desde 2007 que foca o seu trabalho em crianças, jovens e famílias em situação de vulnerabilidade social. Entre 2009 e 2022 exerceu funções em Centros de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) como psicologa trabalhando diretamente com as famílias. Em 2023, intregou a equipa de Acolhimento Familiar da Mundos de Vida, trabalhando a captação, formação e seleção de possíveis famílias de acolhimento, prosseguindo ao acompanhamento das mesmas e das crianças e jovens por elas acolhidas.

Pelo direito a crescer numa família...

Uma base na qual se estrutura a intervenção do Serviço de Acolhimento Familiar da Mundos de Vida, no que diz respeito à proteção na infância. Pela intervenção e experiência no acolhimento residencial, desde cedo se percebeu a importância e necessidade de promover um ambiente familiar, sobretudo nas situações de risco e/ou perigo, na qual uma criança deixa de poder viver, temporariamente, no seu ambiente familiar de origem. Em 2005, a Mundos de Vida iniciou caminho no acolhimento familiar, no distrito de Braga, e em 2010 no distrito do Porto, altura particularmente difícil, onde a medida de acolhimento familiar era desconhecida da sociedade portuguesa, onde estava (e ainda está) – muito enraizada, uma cultura de institucionalização. O desconhecimento e baixa sensibilização para a medida, quer pelos agentes do sistema de proteção, quer pelas entidades competentes na decisão das medidas de promoção e proteção, quer pela comunidade, implica, ainda hoje, a necessidade de promover o acolhimento familiar, mudando o paradigma, tal como noutros países aconteceu, e que, atualmente, apresentam resultados muito mais significativos.

Considerando que a origem do acolhimento familiar assenta na comunidade, a sensibilização, informação, clarificação de mitos, crenças e perceções associadas são, desde logo, fases fundamentais para a sua implementação. Desta forma, a informação, para além de necessária, carece de ser orientada constantemente, com estratégias variadas e impactantes, que apoiem uma família na tomada de decisão para avançar com o projeto de acolhimento familiar.

Na avaliação das famílias, importa perceber as motivações para se constituírem como família de acolhimento, salientando os motivos altruístas relacionados com os perfis individuais dos candidatos, e um compromisso social que lhes permitem a dedicação aos outros. Por outro lado, o acompanhamento às famílias revela-se, na maior parte das vezes, complexo, associado à articulação e conjugação de diferentes perspetivas e perceções (criança acolhida, família de acolhimento, família de origem, comunidade e contexto da família de origem e da família de acolhimento, entidades e agentes do sistema de promoção e proteção), requerendo uma abordagem interventiva assente em dinâmicas e estratégias parentais, muitas vezes de reabilitação.

O perfil do acolhimento dependerá, naturalmente, das necessidades da criança acolhida e das variáveis do contexto familiar de origem. A exposição a situações e contextos de risco, assim como as dificuldades que poderão estar presentes em vários domínios no desenvolvimento da criança (cognitivos, sociais, pessoais e emocionais), acrescentam-se à situação de separação que o próprio acolhimento implica.  

No que diz respeito à criança acolhida, acompanhar também é partilhar sentimentos de inquietação e de alegria, no respeito pela privacidade dos envolvidos, garantir a integração escolar e o acesso aos cuidados médicos, no âmbito da saúde física e mental. O apoio deve ser atento e perspicaz, de modo a promover, tanto quanto possível, o respeito pelos direitos da criança, e da sua família de origem, contribuindo assim para a crescente segurança e a estabilidade do acolhimento.

O trabalho terapêutico incide, também, sobre as necessidades emocionais, sociais e/ou de estimulação sentidas por cada criança ou jovem. Importa desenvolver competências pessoais e sociais na criança com vista a promover uma melhor aceitação da sua situação familiar e da sua história de vida, bem como, apoiá-la a gerir os sentimentos de revolta, auto culpabilização e tristeza perante a separação. O seu “melhor” entendimento sobre as problemáticas associadas à retirada e a sua perceção sobre o novo meio familiar (seguro e protetor) ajudam a criança a uma melhor adaptação ao acolhimento familiar, a formar novas relações de apego, importantes para o seu desenvolvimento global equilibrado.

Importa falarmos para o bebé (sujeito que assim supomos presente) e não com alguém sobre o bebé, ausentando-o da relação. Porém, o medo de (re)traumatizar a criança com a verdade da sua história (conto certamente não tão duro quanto o facto de lhe ter sobrevivido), a errada conceção de que esta “não percebe ainda o que se lhe diz”, e a dificuldade em gerir os ecos próprios do sofrimento do Outro, levam a que a história permaneça secreta, e com ela os vazios, até que sejam retomados pela palavra. Ainda que não compreenda o léxico, o facto de estarmos a pôr em palavras ditas os factos importantes da sua história, consagra à criança a possibilidade de esta participar na construção futura de uma versão própria da sua história, a partir da tradução que lhe é trazida pelo cuidador. Por outro lado, permite a este último pensar a ressonância interna e elaborar os conflitos psíquicos trazidos pela história da criança, deixando-o mais disponível para a acolher, e à sua história, e ser continente da sua angústia.

Por fim, realçando o papel fulcral de quem se aventura nesta viagem, na perspetiva dos acolhedores, um dos aspetos essenciais na gestão do acolhimento é o acompanhamento efetivo por parte das equipas técnicas, nomeadamente, na valorização e validação dos sentimentos e perceções da criança e acolhedores. O apoio e a compreensão do papel enquanto cuidadores permitem que a sua resposta seja continuamente fortalecida e especializada, conseguindo desta forma responder melhor aos objetivos da medida de acolhimento familiar.    

Família de sangue não se escolhe.

A restante família, trouxe-a o tempo

e veio direta ao coração

Foi aquela que escolhemos para connosco se aninhar e nos levar a passear, foi aquela em quem decidimos confiar.

A restante família foi a que construímos com afetos e solidificámos com conversa.

São aqueles que nos ensinam e acolhem.

Família é quem nos faz chegar mais longe. É quem nos faz ser maior. É quem faz de nós um ser melhor.

                                                                                                                            Família é amor. Rita Leston. E Então

As Aldeias de Crianças SOS são a maior organização do mundo a apoiar crianças e jovens em perigo ou em risco de perder o cuidado parental.
 

Acredite num mundo onde todas as crianças crescem em amor e segurança. 

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