Rita Domingos

//Fala sobre Igualdade

 

Conversa com especialista

Rita Domingos

Mestre em Psicologia Forense e da Exclusão Social (Universidade Lusófona) e doutorada em Ciências da Saúde, vertente de Psicologia Forense (Universidad de Murcia). 

Psicóloga na Associação Cultural Moinho da Juventude e docente na Universidade Lusófona no âmbito da licenciatura em Criminologia e da Pós-Graduação em Intervenção em Riscos e Promoção da Inclusão. 

Membro da direção da PSIJUS – Associação para a Intervenção Juspsicológica. Investigadora do Centro de Estudos Avançados em Direito Francisco Suárez. 

A igualdade é definida, de acordo com o Dicionário Priberam, como uma qualidade de igual, uma relação entre coisas ou pessoas iguais. O seu princípio é também consagrado no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, onde é explicitado que todos os cidadãos possuem a mesma dignidade social e devem ser considerados iguais perante a lei, assim como reconhece que ninguém poderá ser privilegiado ou prejudicado, ver comprometidos quaisquer direitos ou deveres, por razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. 

Assume-se portanto, enquanto princípio, que todo e qualquer cidadão terá um acesso equitativo a semelhantes direitos, liberdades e garantias assim como aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais. Contudo, os mesmos não se efetivam na prática de igual modo a todos e a todas, reconhecendo-se que há pessoas que tendem a encontrar-se em circunstância de vulnerabilidade acrescida, resultado, por exemplo, do seu género, etnia ou religião 

Conhecer estas assimetrias sociais que se manifestam, nomeadamente, no que tange a indicadores relacionados com o mercado de trabalho, uso do tempo, poder económico, participação política ou organização dos territórios, constitui-se fundamental a fim de que se encetem esforços e movimentos no sentido de as contrariar, sabendo-se que o princípio da igualdade é basilar na construção de sociedades mais justas, inclusivas, coesas, sustentáveis e socialmente responsáveis. 

// Desigualdade

A desigualdade é um fenómeno estrutural e tem uma origem histórica, envolvendo a subvalorização social do feminino e de minorias, persistindo estas disparidades contemporaneamente e arriscando-se a sua reprodução intergeracional, atendendo-se, particularmente, ao potencial impacto dos recursos de comunicação e tecnológicos no processo.

A necessidade de mobilizar e concertar esforços na promoção da coesão, justiça e igualdade social, tanto nacionais como internacionais, foi formalmente reconhecida, nomeadamente, através da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (vigente em Portugal desde 1981) e da Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (vigente em Portugal desde 1982). 

Contemporaneamente as assimetrias sociais com base no género são uma realidade tanto em contexto internacional como nacional, reflectindo-se, transversalmente, aos distintos sectores sociais. A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, no seu Boletim Estatístico, indica que no que concerne ao mercado de trabalho, as mulheres tendem a possuir remunerações inferiores (independentemente do nível de qualificação, habilitação, grau de antiguidade, em todos os grupos profissionais), ocupam menos posições de chefia, bem como constituem a maioria da população inativa profissionalmente em resultado de responsabilidades relacionadas com a prestação de cuidados. A responsabilidade na execução de tarefas domésticas recai principalmente sobre as mulheres, tal como a realização de tarefas associadas à prestação de cuidados a crianças, não se destacando os homens em nenhum indicador relacionado com esta dimensão. Ao nível do ensino constata-se, também, uma segregação de género na medida em que apesar de tanto as matrículas quanto as conclusões do ensino superior serem globalmente superior nas mulheres, constituem exceção as áreas dos serviços, engenharias, indústrias transformadoras e construção, assim como nas tecnologias de informação e comunicação (TIC). Destaque-se, aliás, que em 2021 apenas 21.9% de mulheres se diplomaram no ensino superior em TIC (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), 2022). 

// Violência

Em matéria de violência reforça-se o enquadramento de desvantagem das mulheres assim como a dimensão estrutural de género que lhe está associada sendo que, em média, em cada 10 vítimas 8 são do género feminino e em cada 10 pessoas denunciadas, 8 são do género masculino (CIG, 2022). A recente publicação do Estudo Nacional sobre a Violência no Namoro (UMAR, 2023) reforça a preocupação sobre esta matéria na medida em que nos alude a que 67.5% dos inquiridos não percepciona como violência no namoro pelo menos uma das seguintes dimensões comportamentais: controlo, violência psicológica, violência sexual, perseguição, violência através das redes sociais e violência física. Ainda, em comparação com o género masculino, os indicadores de vitimização tendem na generalidade, com exceção da violência física, a ser superiores entre os jovens que se identificam com o género feminino. 

Em concertação com o descrito, em Setembro de 2022, a ONU Mulheres alertou que mantendo-se o atual ritmo de progresso seriam necessários 286 anos para que as mulheres adquirissem os mesmos direitos e protecções legais que os homens, bem como que a igualdade na representatividade em posições de liderança não se prevê que seja conseguida nos próximos 140 anos. 

Estes são dados que necessariamente nos devem impelir a uma reflexão crítica mas também à responsabilização, reconhecendo-se o significado da ação tanto individual como coletiva na rutura com sistemas sociais geradores de desigualdades múltiplas e segregadoras, tanto do ponto de vista de género como de minorias. 

// Racismo, imigração e integração

As manifestações de desigualdade, tanto em território nacional como internacional, não se restringem ao género, sendo as motivações étnicas e raciais causas de discriminações e assimetrias sociais diversas nos seus distintos setores. Dados de estudos recentes (Eurobarómetro Especiais 469 (2017) e 519 (2021)) demonstram que a maioria dos inquiridos de todos os Estados-membros da União Europeia perceciona a discriminação dos imigrantes como um obstáculo à sua integração (Indicadores de Integração de Imigrantes. Relatório Estatístico Anual, 2022). Ciente desta problemática a Comissão Europeia produziu o instrumento Uma União da igualdade: plano de ação da UE contra o racismo 2020-2025, onde refere explicitamente na sua introdução “A discriminação em razão da raça ou origem étnica é proibida na União Europeia e, no entanto, continua a existir na nossa sociedade. Não basta ser contra o racismo. Temos de atuar contra ele. O racismo prejudica a sociedade de múltiplas formas. Mais diretamente, significa que um grande número de pessoas que vivem na Europa são vítimas de discriminação, pondo em causa a sua dignidade humana, oportunidades de vida, prosperidade e bem-estar, assim como, amiúde, a sua própria segurança pessoal (…)”. 

A desigualdade que o cidadão imigrante tende a experienciar manifesta-se de forma transversal a diversos domínios da sua vivência e mantém-se como problemática contemporânea à qual a sociedade portuguesa não constitui exceção. Relativamente à inclusão social dos cidadãos imigrantes na Europa, dados do EUROSTAT indicam que os cidadãos extracomunitários residentes se encontram numa circunstância de vulnerabilidade socioeconómica acrescida na medida em que possuem riscos superiores de pobreza, de privação material, apresentam rendimentos mais baixos e possuem piores condições de vida comparativamente aos cidadãos nacionais da União Europeia. Contudo, e importa destacar contrariando-se estereótipos, ideias generalizadas e pré-concebidas, em Portugal constata-se que os cidadãos imigrantes residentes beneficiam menos do sistema de proteção social por contribuinte que os cidadãos nacionais. 

Na análise das desigualdades sociais a que os cidadãos imigrantes fazem face é fundamental considerar a dimensão do mercado de trabalho, constatando-se nas últimas décadas uma tendente segmentação no mesmo relativamente à nacionalidade dos trabalhadores, sendo a representatividade de cidadãos imigrantes superior em áreas profissionais menos qualificadas, mais precárias, instáveis, auferindo remunerações inferiores e marcadas por uma incidência acrescida de acidentes de trabalho. Trata-se de uma realidade atual apesar de se reconhecer o papel fulcral que a imigração desempenha na sustentabilidade do mercado de trabalho nacional, em particular de alguns setores em específico, bem como de os cidadãos imigrantes possuírem uma taxa de atividade superior aos nacionais. 

Na Associação Cultural Moinho da Juventude, desenvolvo atividades como psicóloga integrada no Gabinete de Integração Socioprofissional que tem como objetivo promover a empregabilidade e formação/capacitação dos abrangidos através de metodologias personalizadas e assentes no suporte ao percurso integrado de inserção. Maioritariamente os participantes da intervenção tendem a ser cidadãos imigrantes ou descendentes, maioritariamente de países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, sendo diversos e diários os desafios à promoção de processos de inclusão socioprofissional mais justos e inclusivos. 

Alguns dos principais obstáculos à integração no mercado de trabalho passam por incompatibilidades de horários, principalmente de elementos de famílias monoparentais e/ou mulheres, a quem tendencialmente compete a prestação de cuidados; não correspondência às exigências impostas como carta de condução, conhecimento de línguas, literacia digital; fragilidades ao nível da saúde mental, sejam estas reconhecidas ou não, mas com influência direta ao nível do perfil de empregabilidade dos candidatos; desmotivação e ausência de expectativas positivas face ao seu futuro profissional. 

Por outro lado, reconhecemos perfis de competências, tanto técnicas como socioprofissionais, diversificadas e relevantes, contudo com difícil correspondência às atuais exigências do mercado. 

Constatamos, também, uma tendente procura de emprego em áreas profissionais menos qualificadas e, de alguma forma, restritas às suas experiências profissionais anteriores ou às das suas principais figuras de referência. Este é um ciclo que importa quebrar e reforçar a valorização de competências, tanto técnicas como pessoais, apoiar na identificação de potenciais áreas profissionais que tanto possam contribuir para uma melhoria de qualidade de vida efetiva mas também para o bem-estar, realização pessoal e felicidade dos candidatos. 

Neste processo o investimento em percursos de formação e capacitação apresenta-se essencial, considerando-se, contudo, as necessidades e objetivos individuais, adaptando-se as metodologias e pedagogias utilizadas, contribuindo 3 

para o enriquecimento do perfil de empregabilidade, tanto ao nível de competências técnicas e profissionalizantes como pessoais e sociais, relevantes tanto à integração no mercado de trabalho como à permanência no mesmo, implicando uma visão ampla de desenvolvimento integral humano sob as perspetivas da esfera social, privada e pública. 

Para isso, importa também que o mercado de trabalho possa reconhecer a sua responsabilidade na promoção de oportunidades igualitárias e a inclusão de pessoas que se encontrem em particular circunstância de vulnerabilidade seja em resultado do seu género, condição social, origem geográfica, ascendência, etnia ou religião. 

Apesar da crescente consciência tanto ao nível político, académico como social, relativo às assimetrias sociais persistentes e respetivas repercussões ao nível do desenvolvimento, coesão, justiça social e paz, mantém-se atual e necessário iniciar esforços no sentido de promover processos de inclusão efetivos, considerando especialmente quem se encontre em maior desvantagem social, reconhecendo-se que a rutura com ciclos de pobreza e exclusão poderão implicar entre quatro a cinco gerações (Schutter, 2021). 

Refletir sobre a igualdade implica a associação à Declaração Universal dos Direitos Humanos que inicia o seu preâmbulo com o reconhecimento da igualdade de direitos entre todos os seres humanos como princípio essencial a uma efetiva liberdade, justiça e paz. Tendo a primeira publicação em 1948, volvidos 75 anos, mantêm-se atuais parte das fragilidades sociais que a originaram, impelindo, necessariamente, a um exercício de reflexão crítica sobre o desenvolvimento das organizações sociais e respetivas transformações necessárias a uma efetiva rutura com ciclos e trajetórias de exclusão e segregação dos mais vulneráveis. 

As Aldeias de Crianças SOS são a maior organização do mundo a apoiar crianças e jovens em perigo ou em risco de perder o cuidado parental.
 

Acredite num mundo onde todas as crianças crescem em amor e segurança. 

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