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Darya Kasyanova é Diretora Nacional de Desenvolvimento de Programas das Aldeias de Crianças SOS da Ucrânia há cinco anos e meio. 

Trabalha para garantir a qualidade dos serviços prestados, desenvolver novas respostas e intrevir na proteção dos Direitos das Crianças. Dirige também a Rede Ucraniana dos Direitos da Criança, que junta 27 organizações na luta pelos Direitos das Crianças. 

Darya fala-nos abertamente da situação angustiante que se vive na Ucrânia e dos esforços das Organizações para evacuar o maior número de crianças possível.

Qual é o seu trabalho nas Aldeias de Crianças SOS da Ucrânia?

Desde 2007, o meu trabalho é focado nas crianças sem cuidados parentais, proteção dos seus direitos e, em geral, o direito da criança a uma família. 

Como Directora Nacional de Desenvolvimento de Programas, estou encarregada de assegurar a qualidade dos serviços prestados pelas Aldeias de Crianças SOS Ucrânia e de desenvolver novos serviços baseados nas necessidade para garantir uma abordagem sistemática às questões dos direitos da criança. O advocacy é também da minha responsabilidade, o que significa cooperação e parceria com todos os intervenientes importantes do sector governamental e não-governamental ativos no campo do bem-estar da criança em toda a Ucrânia.

Nos últimos seis anos, tenho liderado a Rede Ucraniana dos Direitos da Criança. Esta rede reúne 27 organizações de proteção da criança, incluindo as Aldeias de Crianças SOS da Ucrânia, que neste momento coordenam os seus esforços a nível nacional para salvar e proteger as crianças.

Como se preparou para a situação atual?

Tive uma experiência muito semelhante. Em 2014, quando a guerra no Donbas começou, eu estava a trabalhar noutra organização em Donetsk. Em 2014 e 2015, conseguimos deslocar todas as famílias de acolhimento e crianças que se encontravam  em instituições de acolhimento residencial a tempo. 

Quando se tornou óbvio que o país enfrentaria uma guerra, mesmo em Dezembro do ano passado, começámos a comunicar ativamente com o governo pedindo medidas preventivas. Mas, a experiência de 2014 e 2015 não foi considerada para antecipadamente organizar medidas de prevenção. 

A guerra começou subitamente, com tudo a mudar muito rápido. Vários stakeholders começaram a contactar-me, pois sabiam da minha experiência do passado

Apesar dos esforços feitos pelas Aldeias de Crianças SOS e outras Organizações, incluindo a Rede Ucraniana dos Direitos da Criança, as medidas preparatórias para a evacuação de crianças não foram, infelizmente, tomadas a tempo. 

Fizemos um mapa de todos os serviços de cuidados infantis em nove regiões que considerámos serem zonas de risco em caso de conflito. O mapeamento deu-nos dados sobre o número de crianças que vivem em famílias de acolhimento e de crianças em instituições residenciais. As nove regiões foram selecionadas com base em critérios que considerámos relevantes, tais como a fronteira com a Rússia, por exemplo. 

Partilhámos estes dados com a UNICEF e com todos os principais envolvidos e organismos do Ministério dos Assuntos Sociais. Infelizmente, o tempo não foi nosso aliado, partilhámos a informação na segunda-feira e a guerra começou na quinta-feira de manhã. Se tivéssemos um pouco mais de tempo, alguns passos poderiam ter sido dados com base nas informações que recolhemos.

Quantas crianças vivem nestas regiões que são agora zonas de risco?

 

O número de crianças que vivem nestas regiões é de cerca de 4 milhões. Dentro destas regiões, cerca de 1,5 milhões de crianças vivem em zonas de alto risco, ou seja, cidades e vilas que estão cercadas neste momento, como Irpin, Mariupol, Bucha, Hostomel, Stanytsia Luhanska, Sievierodonetsk, Starobilsk, Popasna e outras.

Algumas instituições de acolhimento residencial das regiões de Luhansk e Donetsk conseguiram evacuar as crianças para a Ucrânia ocidental. Atualmente, estamos com grandes problemas com a evacuação de crianças nas regiões de Zaporizhia, Kharkiv, Mykolaiv, Sumy, Kherson, Zhytomyr, Chernihiv. Não existem estatísticas exactas à medida que vão sendo sinalizadas novas zonas de alto risco.

Monitorizamos constantemente a situação das crianças nas instituições de acolhimento residencial de Zaporizhia. Só no sábado, conseguimos deslocar cerca de 150 crianças dos 0 aos 3 anos de idade de quatro berçários em Kharkiv. Os colaboradores destas casas de acolhimento não quiseram sair e a evacuação das crianças sem eles é ilegal. Estivemos a persuadi-los durante três dias e acabámos por conseguir.

As pessoas no terreno que estão a apoiar as evacuações estão a arriscar as suas próprias vidas, porque a evacuação das zonas de risco acontece frequentemente durante os tiroteios. Houve casos em que o tiroteio começou exactamente no momento da evacuação. 

É preciso escolher entre os riscos. Por um lado, arriscamo-nos a ficar isolados numa cidade totalmente cercada e sem electricidade, sem acesso a medicamentos, sem aquecimento. Por outro lado, arriscamo-nos a evacuar sabendo que o tiroteio pode começar e não sair dali vivo.

Temos conhecimento uma casa de acolhimento para bebés com cerca de 50 crianças em Vorzel, perto de Kyiv, que está isolado há cerca de cinco dias. Não conseguimos saber o que está a acontecer lá neste momento. Tínhamos contacto com voluntários e com o director mas já não é possível qualquer tipo de contacto. Eles já não têm rede telefónica e o acesso até ao local está bloqueado.

Qual é a situação nas vilas e cidades que estão bloqueadas?

Há risco de morrer não só de balas, mas também de fome e frio. É exactamente por isso que precisamos urgentemente de ter corredores humanitários funcionais.

As pessoas escondem-se em caves frias. Há caves com centenas de crianças. 

Na cave onde estava, tínhamos água e pão. Agora, não se pode comprar nada. As lojas já não estão a funcionar nas cidades e vilas que estão cercadas. A comida é um problema. Não há aquecimento e a temperatura durante a noite é de -8ºC. Não há electricidade nas vilas bloqueadas, as pessoas não podem carregar os seus telefones. Já não podem utilizar geradores porque já não há combustível.

Há muitos bebés entre as pessoas nas caves. As mães não podem amamentá-los porque muitas começaram a perder leite. Não podem dar leite em pó para bebés, porque não há. Isto significa que muitas crianças estão em sério risco de morrer de fome.

Como estão os seus filhos?

Eu tenho duas filhas. A mais velha tem 19 anos de idade e já passou por isto quando tinha onze e tivemos de deixar a nossa casa em Donetsk.

Para ela, a guerra que volta a acontecer é uma enorme tragédia. Foi por causa dela que só deixámos a nossa casa em Irpin há dois dias. Ela era categoricamente contra a saída. Dizia-me: "Não quero perder a minha casa de novo, não quero perder a minha casa pela segunda vez".

A minha filha mais nova tem dois anos e oito meses. Estávamos a inventar histórias para ela acreditar que o som das bombas eram trovões. Ontem, quando estávamos a conduzir para a Ucrânia ocidental, sempre que ela ouvia o barulho, perguntava: "Que barulho é este? Isto é tiroteio, certo?” 

É esmagador saber que, embora tenha duas filhas com uma diferença de idades de 17 anos, ambas já passaram por uma guerra.

O que é que das Aldeias de Crianças SOS da Ucrânia estão a planear?

Precisamos de nos concentrar nas ações humanitárias nas áreas onde há mais pessoas deslocadas internamente das regiões mais afectadas da Ucrânia. Continuaremos a coordenar a realocação de famílias de acolhimento do país para locais mais seguros. 

Uma das nossas maiores tarefas consiste em apoiar a nossa equipa. Devemos ajudá-los para estarem bem emocionalmente. Precisam de apoio psicológico para conseguirem continuar a trabalhar.

As equipas de Olena Kripak, Diretora de Programas da região de Kyiv, e Lyudmila Kharchenko, Diretora de Programas da região de Luhansk, fizeram um trabalho incrível. Fizeram muitos esforços para persuadir as famílias de acolhimento [apoiadas pelas Aldeias de Crianças SOS] a partirem antes do início da guerra.

Tem alguma mensagem para os colegas das Aldeias de Crianças SOS de todo o mundo?​

 

Obrigada a todos os que estão de pé com a Ucrânia e expressam solidariedade. Grata às pessoas que estão a ajudar e apoiar. As crianças e as famílias da Ucrânia precisam de vocês.

Quero que todos saibam que o que está a acontecer aqui na Ucrânia, na Europa. Isto é o inferno do inferno. Quero que todos saibam que estamos no inferno.

  

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