PERGUNTAS E RESPOSTAS: A população mais pobre do Brasil é a que mais sofre com a pandemia 

O Brasil tem atualmente o segundo maior número de casos de COVID-19 no mundo. Michéle Mansor, diretora nacional dos programas das Aldeias de Crianças SOS Brasil, diz que a população mais pobre, particularmente os que vivem em favelas, têm dez vezes mais probabilidades de morrer devido ao vírus. No entanto, o medo de perder rendimentos leva muitos a continuar a trabalhar.  

As Aldeias de Crianças SOS ajudam mais de 2.000 famílias em todo o país, incluindo centenas nos epicentros do vírus de São Paulo e Rio de Janeiro. 

As restrições estão agora a ser levantadas no Brasil. Será isto um sinal de esperança ou de preocupação? 

É definitivamente um sinal preocupante. Estamos perante um aumento de infeções e mortes, mas as pessoas parecem não acreditar no que está a acontecer. As pessoas estão a confundir o relaxamento das medidas de restrição com a ausência do vírus. Isto está a aumentar o número de novas infeções. A facilidade das restrições sugere que estamos a viver novamente a nossa vida normal e isso não é de todo verdade. O nosso governo nega também os riscos e isso induz as pessoas a ignorar o perigo. 

 

Não temos motivos para ter esperança , antes pelo contrário. É tempo de estarmos preocupados e ajudar as comunidades e as famílias a compreender o problema, fornecendo-lhes soluções para se manterem seguras e protegidas. 

As pessoas que vivem em favelas no Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes cidades sofrem mais com o vírus, devido às condições de vida? 

A situação pandémica tem afetado mais duramente as pessoas que vivem nas favelas. Não só devido às condições de vida, mas também porque a maioria das famílias não tem condições sanitárias adequadas. Por vezes, nem sequer têm acesso a água ou energia. A questão é como lidar com um vírus que só pode ser enfrentado com medidas de higiene adequadas? E quando alguém está doente na família, como manter essa pessoa isolada em casas tão pequenas, por vezes com apenas um quarto para todos? Os serviços de saúde estão sempre longe e têm de se expor para chegar a cuidados de saúde adequados.  

 

O vírus tem atingido a população mais pobre do Brasil de forma mais intensa. Em São Paulo, as pessoas que nas áreas mais pobres e contraem o vírus têm até 10 vezes mais probabilidade de morrer do que as pessoas em áreas ricas, de acordo com dados divulgados pelo departamento de saúde da cidade. No Rio de Janeiro, as favelas concentram cerca de 22% da população do município, mas alguns estudos mostram que correspondem atualmente a 34,6% do número de casos confirmados e a 9,8% das mortes por COVID-19.   

 

Apesar de tudo isso, em algumas favelas, devido à falta de serviços públicos, as pessoas que lá vivem organizam a sua própria luta contra o coronavírus, ajudando-se mutuamente e encontrando respostas para os desafios comuns. Os líderes comunitários em alguns dos bairros mais duramente atingidos do país estão a contratar as suas próprias ambulâncias, a criar fundos de desemprego e até a construir bases de dados independentes para localizar casos e mortes. 

 

No Rio de Janeiro, as favelas concentram cerca de 22% da população do município, mas alguns estudos mostram que correspondem atual- mente a 34,6% do número de casos confirma- dos e a 9,8% das mortes por COVID-19.

Quais são os maiores desafios para as famílias vulneráveis? 

Penso que há três desafios principais para as famílias neste momento. Primeiro, sobreviver economicamente e, ao mesmo tempo, sobreviver ao vírus. Elas continuam a trabalhar para ter acesso a um salário que lhes permitem pôr comida na mesa e, no entanto, tendo de sair de casa todos os dias para ganhar a vida, expõem-se ao vírus. Além disso, como manter a sanidade e prevenir situações de violência, abuso de álcool e drogas, e toda a violação de direitos que estes normalmente implicam. Em segundo lugar, como lidar com o fosso da qualidade da educação, como manter os seus filhos com acesso ao sistema educativo que está agora desfalcado. Finalmente, como garantir que os seus filhos e filhas tenham acesso a oportunidades de trabalho e não tenham o seu futuro comprometido. 

Como estão a lidar com o risco de infeção e, ao mesmo tempo, a ganhar a vida? 

A maioria das famílias decidiu que o medo de não ganhar a vida é maior do que o medo do vírus. Isto significa que, na minha opinião, a menos que as famílias tenham uma forma significativa de sobreviver, vão expor-se, aconteça o que acontecer. E isso é um grande problema em países onde a pandemia preenche condições sociais altamente vulneráveis, como no Brasil. 

Como estão as famílias mais vulneráveis a lidar com o ensino à distância? 

Este é um desafio para todos, mas é ainda mais difícil para as famílias que não têm acesso a serviços ou computadores, ou que vivem nas condições mais difíceis possíveis. A nossa principal preocupação é como é que isto vai afetar as crianças e jovens que têm o seu acesso à educação totalmente comprometido. E sabemos ao certo como a falta de educação tem um enorme efeito sobre a vulnerabilidade social. 

Quais são algumas formas das Aldeias de Crianças SOS Brasil apoiarem as crianças e as famílias? 

As famílias estão preocupadas. Estão a lidar com incertezas, com o risco de infeção, ao mesmo tempo que lidam com medidas de isolamento que mantêm a ajuda afastada. Estão a lidar com todos estes problemas, para além de todas as dificuldades anteriormente existentes. 

 

Para além de lhes garantirem produtos básicos como alimentos e artigos de higiene, as Aldeias de Crianças SOS Brasil apoiam com assistência domiciliária através de videochamadas, mas também pessoalmente se a situação o exigir para prevenir a violência e a violação de direitos. Estamos também a ajudar os jovens a ultrapassar esta situação sem prejudicar o seu futuro. Há tanta coisa que podemos fazer, e a nossa presença é mais necessária do que nunca. 

O que devem o governo e a sociedade fazer para ajudar as crianças e as famílias neste momento? 

Gostaria que a sociedade brasileira compreendesse o momento que estamos a viver e se unisse para garantir que todas as famílias e todas as crianças e jovens (independentemente do local onde vivem), possam enfrentar este momento com igualdade, com as mesmas condições e oportunidades. 

 

Estamos agora perante uma situação desafiante. A combater o vírus e também a lidar com a fragilidade política e a crise em muitos aspetos. Embora preocupados com a situação económica, os direitos das crianças não são a principal preocupação do governo neste momento e não podemos depender de medidas governamentais para manter as crianças e as famílias seguras. Por isso, devemos estar unidos como sociedade e com as comunidades para encontrar formas de sair desta situação e de todos os desafios que ela traz: à educação, ao acesso aos cuidados de saúde, ao acesso à alimentação e à dignidade.