Famílias afetadas pela crise alimentar
na seca de Madagáscar

Famílias em graves dificuldades

Soavelo*, 27, mãe solteira com três filhos (6, 3 e 1 anos) - diz que antes ganhava a vida a vender café e pão local, mas a vida agora ficou mais deprimente na sua região. Ela chegou a plantar milho e feijão no seu pequeno terreno e conseguiu criar algumas galinhas para ter ovos para comer.

No entanto, com uma seca tão prolongada, Soavelo viu as suas plantações secar. Os seus clientes tiveram de pedir fiado porque já não conseguiam pagar pelo café e o pão, e foi então que ela teve de parar de vender. Semana após semana, foi vendendo as suas galinhas para alimentar a sua família, até que elas acabassem. Soavelo tinha de começar a dar aos filhos uma refeição por dia, pelo menos.

“Esta não é a primeira vez que estou a passar por uma seca”, diz Soavelo sentada no chão com os seus três filhos do lado de fora da sua casa em Ranonda, uma vila remota no sudoeste de Madagáscar. “Quando eu era criança, já havia secas e muitas vezes dormíamos com fome, mas não era assim tão grave. Ver os meus filhos com tanta fome é muito doloroso”, diz ela.

A maioria dos residentes no sul de Madagáscar vive da agricultura de pequena escala e da pecuária. Uma combinação de várias más colheitas, seca e a pandemia Covid-19, aumentou os preços dos alimentos três a quatro vezes no mercado local, o que forçou as pessoas a vender os seus animais e os seus bens para conseguirem comprar comida. 

A ONU adverte que meio milhão de crianças menores de cinco anos correm o risco de sofrer de desnutrição aguda, à medida que a ilha está à beira da fome, onde em algumas regiões, as famílias recorreram à ingestão de catos crus, folhas, formigas e gafanhotos.

Soavelo diz que tinha esgotado todas as possibilidades de encontrar comida quando a ajuda de Emergência das Aldeias de Crianças SOS Madagáscar chegou à sua comunidade, em maio de 2021.

Resposta das Aldeias de Crianças SOS
à crise alimentar 

As Aldeias de Crianças SOS começaram a trabalhar em Madagáscar em 1986. 

Soavelo está entre as 1.600 famílias das seis comunidades mais afetadas nos distritos de Androy e Atsimo-Andrefana, que beneficiam do Programa de Emergência das Aldeias de Crianças SOS. O Programa tem como alvo famílias lideradas por mulheres e muito numerosas. As Aldeias de Crianças SOS oferecem assistência médica geral e alimentação complementar para mais de 2.000 crianças, com foco nos menores de cinco anos, e mulheres grávidas. As famílias afetadas também recebem apoio psicossocial, assim como uma ajuda alimentar, como arroz, cereais e feijão. São depois envolvidas num Projeto Comunitário com a duração de dois meses, onde podem trabalhar para receberem dinheiro, em atividades como criar um lago e ou construir estradas para haver vias de acesso a comida e bens essenciais. 

Cinco vezes por semana, Soavelo junta-se a um grupo de homens e mulheres para construir uma estrada que liga Ampakabo e Ranonda a Anarabe, em Betioky. Os trabalhadores recebem 15.000 Ariary (4 dólares americanos) por semana, o equivalente a 20 canecas de arroz ou 15 quilos de mandioca. 

“Sou mãe solteira e não conto com mais ninguém para criar os meus filhos”, diz Soavelo. “Desde que estou a trabalhar na construção da estrada que os meus filhos não dormem mais com fome. Já não me preocupo com comida. Antes de receber esta ajuda, os meus filhos estavam realmente a sofrer. Eles estavam sempre a dizer-me para ir procurar comida para eles. Eu sentia-me triste e às vezes chorava quando os via assim”, diz ela.

O Programa que dá dinheiro em troca de trabalho oferece empregos de curto prazo em projetos de mão-de-obra intensiva para homens e mulheres vulneráveis não qualificados ou semiqualificados, para que estes possam assegurar as suas necessidades mais urgentes. Os próprios beneficiários identificam atividades que mais irão beneficiar a comunidade local em geral. 

No local das obras, Soavelo encontrou a oportunidade de reavivar o seu negócio ao vender café e pão, o que lhe permitiu ganhar um pouco mais de dinheiro. 

Sem chuva, no entanto, Soavelo não tem esperança de reabastecer o seu stock de alimentos, que se esgotará em breve. Quando as obras terminarem, “posso ter que abandonar a minha terra e mudar-me para cidades próximas à procura de comida. Sem cultivo e sem sementes para a próxima estação, há pouca esperança aqui”, diz ela. 

Jean François Lepetit, diretor nacional das Aldeias de Crianças SOS Madagáscar, e Jean Pierre Tombozandry, diretor regional das Aldeias de Crianças SOS Madagáscar na área de Androy, falam sobre a atual crise humanitária que se está a viver na ilha: 

“Normalmente, as Aldeias de Crianças SOS Madagáscar oferecem serviços básicos de saúde e educação para as famílias, tentando não desenvolver muita dependência, porque não queremos que essas pessoas vivam na base da pena. Queremos que elas recebam os seus salários e tenham orgulho delas mesmas. Portanto, em vez de entregarmos apenas bens essenciais, pagamos-lhes pelo seu trabalho comunitário, para que possam comprar a sua própria comida. Em geral, o nosso objetivo é que essas famílias se tornem economicamente autossuficientes. 

Mas agora, nesta situação terrível, não há esperança de autossuficiência. Estamos a trabalhar em Ajuda de Emergência. Neste momento, antes de mais nada, temos que salvar vidas. 

Para nós (Aldeias de Crianças SOS), é importante 
apoiar o desenvolvimento sustentável. 

Isso significa que não vamos para uma região distribuir comida de graça e depois de algum tempo vamos embora. Não somos apenas um colaborador humanitário lá, também fazemos parte da comunidade. Começámos o nosso trabalho no sul de Madagáscar em 2011, por causa de uma seca e ainda estamos lá, não deixámos essas pessoas. Os nossos colaboradores são pessoas da comunidade que trabalham para a comunidade. Eles não serão capazes de esquecer essas pessoas porque são eles próprios essas pessoas. 

Nas Aldeias de Crianças SOS queremos que as crianças mais vulneráveis   tenham uma vida boa e sustentável. Como é que isso é possível quando a sua própria vida está em risco? Temos que mudar a nossa maneira de viver - no sul de Madagáscar e em todo o lado. Devemos unir-nos porque a solidariedade significa ter vínculos sólidos, que são mais necessários que nunca.” 

* O nome foi alterado para proteger a privacidade.
* Texto e fotos de Sammy Rabenirainy.
* Entrevista por Leonie Foessel.